A CURIOSA VIDA DE FAURE NICOLAY

Se João Peixoto é considerado o pai da mágica brasileira, créditos também devem ser dados a um mágico que, embora não brasileiro, adotou o Brasil e muito sucesso fez nas terras tupiniquins: o francês Faure Nicolay.

-x-

1. O COMEÇO

Faure Nicolay nasceu em Chalabre uma pequeníssima cidade no sul da França, no ano de 1830. Seu pai era um arquiteto e empreiteiro, estava a serviço do Conde de Chalabre, empenhado na reforma de seu castelo quando padeceu doente. Mandou então que chamassem sua esposa de Montpellier a qual, mesmo grávida, deslocou-se até Chalabre e pôs-se ao lado do esposo. E foi ali mesmo, no castelo em reformas do Conde de Chalabre, que Nicolau Faure nasceu. Ele acabou sendo apadrinhado pelo próprio Conde, dono do castelo.

A primeira paixão de Nicolay foi o bilhar. Não há informações de quem lhe ensinou o bilhar, mas é fato notório que Faure Nicolay tornou-se um mestre no jogo. Ainda na adolescência ele trocaria lições de bilhar por lições de “physica recreativa” com o prestidigitador alemão Frickel (Wiljalba Frickel). Esse foi o primeiro contato de Faure com a mágica.

Wiljalba Frickel
FIGURA 1 – Wiljalba Frickel (clique na imagem para ampliá-la)

 

Ainda jovem, Faure passou a dar lições de ilusionismo. Um cartaz datado de 1855 propagandeia sobre a “Nova Escola de Prestidigitação sem Aparelhos” de Faure Nicolay. Faure dava aulas particulares sobre manipulação, cartas, hipnotismo e demais artes mágicas da época.

FIGURA 2 - Cartaz da escola de prestidigitação de Faure Nicolay (1855)
FIGURA 2 – Cartaz da escola de prestidigitação de Faure Nicolay, 1855 (Clique na imagem para ampliá-la)

-x-

2. O GRANDE JOGADOR DE BILHAR

O correspondente de Paris do jornal “Land and Water” em março de 1870 escreve uma nota a respeito da grande habilidade de Faure Nicolay no bilhar. Segundo a nota, Faure tinha força na tacada, mas também suavidade e destreza ímpares. Reis e Imperadores eram frequentemente espectadores de suas apresentações. A nota cita ainda um feito fantástico de Faure. Ele desenhava um círculo do tamanho de um chapéu em um local qualquer da mesa de bilhar; colocava dentro dentre círculo 3 bolas vermelhas. A seguir, jogava uma partida completa de bilhar, sem tirar nenhuma das bolas vermelhas de dentro do círculo.

FIGURA 3 - Notícia do "The West Coast Times" da Austrália - 03/10/1870, p.2
FIGURA 3 – Notícia do “The West Coast Times” da Austrália – 03/10/1870, p.2 (Clique na imagem para ampliá-la)

-x-

3. O GRANDE PRESTIDIGITADOR

Como mágico, Faure apresentou-se às maiores autoridades da época, inclusive à Napoleão III e, encantou de forma especial o príncipe imperial. A gravura abaixo mostra Faure dando uma sessão de mágica no acampamento em Chalons, em 1869, para Napoleão III.

FIGURA 4 - Nicolay se apresenta à Napoleão III - Monde Illustre de 10.07.1869 (Clique na imagem para ampliá-la)
FIGURA 4 – Nicolay se apresenta à Napoleão III – Revista “Monde Illustre” de 10.07.1869 (Clique na imagem para ampliá-la)

O primeiro registro de um show seu no Brasil data de março de 1871, em um espetáculo realizado no Rio de Janeiro. Faure também passou por Recife, Belém, Porto Alegre, além do eixo Rio-São Paulo.

FIGURA 5 - Primeiro registro de um show de Faure no Brasil - "O Diário do Rio de Janeiro", 31/03/1871 (clique na imagem para ampliá-la)
FIGURA 5 – Primeiro registro de um show de Faure no Brasil – “O Diário do Rio de Janeiro”, 31/03/1871 (clique na imagem para ampliá-la)

 

O jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro, de junho de 1876 consta que já há alguns anos, quando Faure estivera no Rio, sua fama como habilíssimo prestidigitador começou a crescer. O jornal conta ainda um curioso causo envolvendo Faure Nicolay e o Sultão de Constantinopla. Disse o jornal:

FIGURA 6 - Jornal "Gazeta de Notícias" 10.06.1876, p.1. (Clique na imagem para ampliá-la)
FIGURA 6 – Jornal “Gazeta de Notícias” 10.06.1876, p.1. (Clique na imagem para ampliá-la)

O blog “Historia y Curiosidades del Ilusionismo” registra um show de Faure na cidade de Rosário, Argentina, em 11 de julho de 1872. No anucnio do show, no jornal local, Faure é citado como um artista elogiado pela imprensa europeia e brasileira. O blog conta ainda um causo curioso, relatado pelo periódico “La Capital” de 12 de julho daquele ano:

A fim de se preparar para uma nova experiência elétrica que se propunha a executar, e para situar um alambre acima dos bastidores, tarefa que não podia encarregar a ninguém mais, a fim de ter a segurança total do êxito ou, melhor, para que ninguém descobrisse o seu segredo, subiu por uma escada de mão até uma altura considerável que, com má sorte, quebrou o último degrau o qual sustentava Faure, devido ao qual, caiu do alto da escada, sobre as tábuas do proscênio.

Mas o acidente não abalou Faure, que manteve a agenda de shows programada, apesar da dor e do desconforto que sentia.

O jornal “A Província de São Paulo” cita ainda uma curiosa história, envolvendo Faure e um número novo que vinha desenvolvendo ainda em Paris:

FIGURA 7 - Jornal "A Província de São Paulo", 18.03.1876 (Clique na imagem para ampliá-la)
FIGURA 7 – Jornal “A Província de São Paulo”, 18.03.1876 (Clique na imagem para ampliá-la)

4. O SHOW

A estrutura do espetáculo de Faure, manteve-se constante ao longo dos anos: Abria o espetáculo com manipulação, passava para a apresentação de suas habilidades no bilhar, e terminava com um número de grandes ilusões, em geral números espíritas. Um anúncio de um show de 1886 anuncia o seguinte programa:

  • 1ª parte “Ouvertura pela Orchestra”: Manipulações e close-up sem aparelhos. Também havia esquetes humorísticas;

  • 2ª parte “Sessão Mágica de Bilhar”: Sessão explicando/revelando alguns mistérios espíritas, como a mesa voadora e a rotação dos chapéus. Proemtia tão boa explicação que após o show, qualquer um poderia repetir os números em sua própria casa;

  • 3ª parte “Ventriloquia e Polyphonismo”: Imitação e projeção de vozes. Essa parte do show era apresentada pelo professro Ávila;

  • 4ª parte: Grandes ilusões, com O Gabinete Maravilhoso (possivelmente seja o número da Cabine Espírita, apresentado pelos irmãos Davenport) e a Mulher Cortada.

Já outro anúncio, este de 1888, anuncia uma programação de shows diversa:

  • 1ª parte “Uma Hora de Magia Elegante”: manipulações, aparições, desaparições e novamente, cenas humorísticas;

  • 2ª parte: “Ensaios Práticos de Hypnotismo”: Números variando da hipnose ao mentalismo, transmissão de pensamento, exaltação da força de vontade, etc. Este ato encerrava com um número chamado “A Cadeira Encantada”.

  • 3ª parte “O Grande Sylphorama Universal”: viagem pelo mundo sem sair do teatro. Vistas da França, Rússia, Espanha, Bélgica e outros países, além de figuras de celebridades da época, como o escritor francês Victor Hugo.

O intervalo entre cada ato era intercalado por uma orquestra.

É interessante observar que a partir de um certo ponto, Faure abandona o bilhar e passa a se dedicar à sua mais nova paixão: A projeção de imagens e a partir daí, o cinema.

FIGURA 8 - Jornal "O Programma Avisador", 1886.05.22, p.1. (Clique na imagem para ampliá-la)
FIGURA 8 – Jornal “O Programma Avisador”, de 22/05/1886, p.1. (Clique na imagem para ampliá-la)

-x-

5. O PRECURSOR DO CINEMA NO BRASIL

Faure Nicolay foi figura notória em sua época, não só pelos seus truques, mas também como um dos pioneiros do Cinema no Brasil. Embora notícias deem conta que ele não foi o primeiro, foi, com certeza um dos artistas mais influentes neste quesito.

Primeiro começou exibindo o seu diaporama universal. Diaporama era um projetor de slides rudimentar que projetava imagens graadas em diapositivos e possuia som sincronizado. As fotos eram desenhadas em placas de vidro

Em janeiro de 1897, Faure adquire na Argentina um Cinematógrafo de Edison (também chamado de Vitascópio). Ele comprou o aparelho de um homem chamado Luis e acabou por incorporá-lo em sua trupe sob o codinome Luís Nicolay, pois Luís era o único que sabia operar o aparelho. Nicolay usava ambos os aparelhos em conjunto, o que permitia uma dupla funcionalidade, projetando vistas fixas e também animadas.

FIGURA 9 - Vitascópio ou Cinematógrafo de Edison (Clique na imagem para ampliá-la)
FIGURA 9 – Vitascópio ou Cinematógrafo de Edison (Clique na imagem para ampliá-la)

Se antes, o show era de ilusionismo, hipnotismo, humor e bilhar, agora passara a vir acompanhado de uma trupe inteira de artistas, a “Companhia Francesa de Variedades” que era constituída por suas três filhas, Rosina, Paula e Luísa e por Luís Nicolay que operava o aparelho híbrido.

Além do eixo Rio-São Paulo, há registros de que Faure e seu vitascópio passaram por Pernambuco, Curitiba, Porto Alegre e provavelmente outras cidades importantes. O jornal porto-alegrense “A Federação” de 26/07/1897 de Porto Alegre que em nota sobre o show escreveu que o cinematógrafo não era de boa qualidade e o espetáculo com o diaforama não agradou o público. Na semana dos dias 25 a 30 de agosto, Faure apresentou o seu show em Curitiba e por lá, o show foi muito elogiado.

Ainda sobre este fato, Alice Dubina Trusz, em seu artigo, diz que a insatisfação se dava pela demora entre a troca de filmes, já que era raro o mágico possuir assistentes ou uma equipe técnica, ou seja, o mágico atuava sozinho, apresentando e operando o aparelho. Para preencher o show, foram inseridos outas atrações nos intervalos de exibições, especialmente música. Faure Nicolay, por exemplo, sempre excursionava com a senhorita Blanche Paganini, exímia violinista.

Alice escreve ainda que, ao fim do show de variedades, era comum Faure apresentar imagens fixas de personalidades políticas nacionais, como a do Marechal Floriano Peixoto, proclamador da República. A imagem do Marechal, quando projetada em Porto Alegre, em 1897, provocou “uma verdadeira tempestade de apalusos, vivas e aclamações”; já em 1898, quando projetada em São Carlos, SP, dividiu a plateia entre fervorosos aplausos e enormes vaias de oposição.

-x-

6. SEUS ÚLTIMOS ANOS DE VIDA

Faure seguiu na mágica e no cinema, através de sua Companhia Francesa de Variedades” até seus últimos dias de vida. Ele também realizou alguns shows beneficientes como sua temporada de1888 onde atuava em prol da “sympathica Miss. Rosina”.

Em 1901 Faure publica sua biografia “Memórias e Confidências de Faure Nicolay” onde, além de sua história de vida, dá lições de prestidigitação e de bilhar. O livro de 182 páginas foi elogiado pela imprensa da época por ser um livro repleto de ilustrações e causos curiosos de sua vida (e o único exemplar que encontrei está na biblioteca da Universidade de Minnesota, nos EUA).

Faure faleceu no dia 04 de agosto de 1904, na cidade do Rio de Janeiro. Sua morte, foi pouco noticiada nos jornais, resumindo-se a uma insignificante nota perdida em meio a tantas outras linhas.

Faure foi um gênio, excelente em tudo o que se propôs a fazer: do bilhar ao cinema, passando pela mágica e pelos espetáculos beneficientes.

Cabe ainda notar que, em uma linha sucessória, Faure vem imediatamente após Robert-Houdin, antes de Maskellyne, contemporâneo de Herrmann, foi considerado por este o seu único rival. Faure foi um dos pioneiros da mágica de palco mundial. Pode-se dizer então, sem medo de errar, que a semente plantada por Robert-Houdin foi abundantemente regada por Faure Nicolay. E o fato de ter adotado o Brasil como morada deve ser visto com orgulho e ufanismo por nós, mágicos brasileiros.

FIGURA 10 - M. Faure Nicolay, gravura de 1870 (Clique na imagem para ampliá-la)
FIGURA 10 – M. Faure Nicolay, gravura de 1870 (Clique na imagem para ampliá-la)

Por fim, uma última história curiosa, envolvendo Monsieur Faure Nicolay, extraído do Jornal “O Diáro de S. Paulo” de 03/03/1872:

O Diário de S. Paulo - 03.03.1872 (Clique na imagem para ampliá-la)
O Diário de S. Paulo – 03.03.1872 (Clique na imagem para ampliá-la)

-x-

BIBLIOGRAFIA